Vamos combinar uma coisa? Assistir às Olimpíadas é demais. Descobrir esportes inusitados, torcer pelo seu país, vibrar por atletas carismáticos de outros (salve, Margielyn Didal), acompanhar decisões em um fuso horário louco que bagunça a nossa rotina. Tudo isso é incrível, a gente sabe.
Mas uma dos pontos mais legais de um evento gigante como os Jogos Olímpicos talvez seja o poder que eles têm de incorporar o debate público e contribuir com ele. Nesta edição, um exemplo claro e prático foram os uniformes. Muitas vezes sexistas, os designs são pensados de forma a valorizar não a habilidade e o conforto das atletas, mas a sua aparência.
Infelizmente, ainda hoje o respeito no esporte está muito mais restrito aos homens, enquanto as mulheres são vistas como meros adornos. Como são poucas as lideranças femininas dentro das organizações esportivas, a maior parte das decisões importantes ficam a cargo de homens – geralmente brancos –, o que contribui para esse ciclo machista vicioso.
No entanto, a iniciativa de algumas marcas e esportistas têm feito a diferença e ido na contramão desta problemática de gênero. É o caso da Nike e da Telfar, responsáveis pelos designs de algumas seleções nas Olimpíadas de Tóquio:
Nike just did it
Algumas modalidades e confederações seguiram uma linha respeitosa e diversa na hora de pensar o uniforme de seus atletas. A Nike, por exemplo, fez uma coleção com mais de 20 peças para os integrantes do skate da França, Brasil e EUA, que poderiam escolher que roupa usar.
A partir da não imposição de um modelo específico aos atletas, a marca fez um aceno de respeito às skatistas e ainda valorizou o estilo de cada um. E pontuou mais uma vez ao produzir peças sustentáveis com poliéster reciclado.
Libéria e os trajes unissex
A marca de moda Telfar, por sua vez, projetou uma coleção de uniformes unissex para a equipe liberiana nos jogos olímpicos.
Macacões, batas, tops e outros itens de vestuário foram desenhados pelo estilista liberiano-americano Telfar Clemens e seu parceiro de negócios, Babak Radboy, especialmente para a equipe olímpica da Libéria.
Algumas das peças estrearam já na cerimônia de abertura olímpica no Estádio Nacional de Tóquio e contam uma narrativa de reconhecimento e repatriamento, segundo os designers.
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Elas incorporam tons das cores da bandeira liberiana – azul, vermelho e branco –, além do dourado. Grandes estrelas foram impressas em um aceno à única estrela da bandeira.
Os estilos de roupas africanas também aparecem na coleção sem gênero. O lappa africano – uma saia ou vestido colorido tradicional que envolve o usuário – se manifesta como uma peça de roupa amarrada que pode ser usada por atletas homens e mulheres.
Seleção norueguesa de handebol e a polêmica do biquíni
Os lançamentos da Nike e da Telfar vieram em um momento oportuno de debate. Neste mês de julho, a seleção norueguesa de handebol de praia foi multada em 1.500 euros (cerca de R$ 9.200) após a decisão de substituir o traje convencional por um mais confortável, alegando que o uniforme convencional restringia os movimentos, era desconfortável e as hiperssexualizava.
Segundo a federação, o uso de shorts vai contra o regulamento por serem “trajes impróprios“. No mais, a peça escolhida por elas é muito semelhante ao uniforme do time masculino, que pode jogar de regata e bermuda sem problema algum.
Serena Williams, a rainha de Wakanda
Mas as meninas do hand não foram as únicas a trocar o traje e se posicionar. Em 2018, a supercampeã do tênis Serena Williams optou por usar um macacão como uniforme durante uma disputa no Roland Garros. A peça desenvolvida pela Nike era justa e estimulava a circulação sanguínea, já que este foi um dos problemas enfrentados por ela na então recente gestação.
Na ocasião, Serena disse: “Este traje representa todas as mulheres que passaram por muitas dificuldades, mental e fisicamente, para voltar a ter confiança e acreditar em si mesmas. Essa roupa fez com que me sentisse como uma princesa guerreira, tipo a rainha de Wakanda”.
Apesar do empoderamento emocionante, porém, a atleta norte-americana foi proibida pelo presidente da Federação Francesa de Tênis, Bernard Giudicelli, de voltar a vestir o macacão nas quadras.
Nas Olimpíadas
A problemática dos uniformes sexistas voltou a ganhar força durante as Olimpíadas de Tóquio, quando as ginastas alemãs optaram por abandonar os collants e usar legging nas apresentações para evitar a sexualização do corpo feminino.
Nesse caso, elas não quebraram nenhuma regra anterior. O uso do chamado “full-body suit” é previsto no regulamento da Federação Internacional de Ginástica (FIG), visando incluir atletas que não podem usar os collants cavados na virilha, normalmente por motivos religiosos.
O posicionamento das atletas, no entanto, teve um viés político e foi além, chamando atenção para as denúncias de assédio sexual na ginástica olímpica.
Por aqui, a nossa redação torce para que a coragem das atletas e iniciativa e pioneirismo das marcas citadas inspirem cada vez mais outros esportistas e federações para que o mundo do esporte seja cada vez mais consciente, respeitoso e inclusivo.