*Matéria publicada em Bons Fluidos #166 – Janeiro de 2013
Primavera
De broto tenro a caule verde e firme, nascemos no mundo com um formidável impulso de viver. Para romper a casca da semente, para atravessar a grossa camada de terra, é preciso uma energia sem limites. O Ching, livro milenar chinês, chama essa fase de irromper. E é exatamente com esse vigor que rompe que a criança se coloca no mundo. Mas como o sol e água moldam a planta, a realidade circundante também irá influenciar seu caráter. É o tempo da formação do eu e do controle dos impulsos, da aprendizagem por meio de acertos e erros, do poder do não. Também é a época de encantamentos com a vida, da alegria sem causa aparente, da leveza e da brincadeira, do desabrochamento de potencialidades e talentos. E, assim, o ser se tornará flor aberta, pronta a ser polinizada.
Verão
Fisicamente, estamos plenos. Hormônios nos afinaram a cintura ou formaram músculos rijos. Todo ser parte à procura do seu par, se abre para experiências e se lança para o externo. Estamos apaixonados pelo mundo, identificados com ele, e numa intensa busca pelo nosso lugar na vida. Viagens nos farão ir mais longe, amores nos farão compreender a diversidade dos relacionamentos e o corpo será uma inesgotável fonte de prazeres. É um tempo solar, intenso, provocante, de muitas ambições e realizações. E, num determinado momento, iremos procriar, dar frutos para a vida, e perpetuar a espécie. A natureza será grata, mas deixaremos de ser importantes para ela. O mundo nos deixará livres e mais tranquilos para o intenso mergulho interno do próximo ciclo.
Outono
Por volta dos 35 anos, surgem as questões profundas da alma: o que estou fazendo neste mundo? Qual é o propósito da existência? Quem sou eu? O psicanalista suíço Carl Gustav Jung chamava essa fase de metanoia, ou mudança de direção. Antes, íamos em rumo ao externo, agora, nossa atenção volta-se para o que ocorre internamente. Se na fase anterior fazíamos de tudo para conquistar valores materiais, ocupar cargos e manter relacionamentos, nesse momento, isso é questionado. O externo, aos poucos, vai deixando de ter importância, para que aflorem as questões e os interesses da alma. Tal como o outono da natureza, é uma época dourada, rica, de colher o que fizemos, materialmente e existencialmente. Mas é também um tempo de conflitos internos. Essa é a pressão necessária para alinhar nossa alma com nosso propósito de vida.
Inverno
Como as árvores ressequidas no campo, nosso caminho agora é mais solitário. A vida, enquanto natureza, retira-se do organismo. Hormônios, água e vitalidade diminuem. É como se o corpo encolhesse para dar à luz uma alma plena e sábia. Enfrentamos limites cada vez mais severos de mobilidade, de força e energia, de possibilidade de realização. Mas, se vivemos as outras fases plenamente, nos restará um recolhimento sereno. É o tempo de compartilhar histórias de vida, pois elas são os frutos que deixamos para o mundo. Na cultura indiana, nessa fase as pessoas se retiram para ahsrams, comunidades espirituais, para preparar o caminho para a vida imaterial que nos aguarda com práticas, mantras e orações. O ciclo se fecha. E tão mais precioso será esse fecho quanto mais sábios formos. Pois é a sabedoria, a iluminação da consciência e do espírito, o verdadeiro presente que a vida quer nos dar.
*Matéria publicada em Bons Fluidos #166 – Janeiro de 2013