O amor devocional a Virgem Maria durante os séculos lhe deu quase 300 nomes diferentes: Nossa Senhora das Graças, das Dores, dos Anjos, das Estrelas, da Luz, do Perpétuo Socorro, do Coração de Ouro, de Fátima, de Lourdes, do Carmo, de Medjugorje… Mas ela é sempre uma só e única, a jovem da Palestina que nasceu há mais de 2 mil anos e que, segundo o cristianismo, viu seu filho, Jesus, pregar o amor a Deus e aos homens e morrer numa cruz.
Maria ganha apenas denominações diferentes conforme o lugar onde são registradas suas aparições, geralmente diante de crianças e jovens, ou de gente humilde, do povo: índios e mestiços, servos e escravos, pastores, agricultores, pescadores. Como seu filho, são os excluídos, os pobres, e os que têm o coração mais cheio de fé que merecem sua presença. Nesses casos, aparece translúcida e cheia de luz, com vestes brancas ou com detalhes em azul, muitas vezes circundada por raios dourados e estrelas, pairando no ar. Pede por oração constante, jejum e sacrifício para que haja paz entre os homens. E oferece seu coração puro e imaculado para que sejam aliviados dores e sofrimentos dos seus devotos.
“A devoção a Nossa Senhora, com os mais variados títulos, jamais acabará. Ainda hoje continuam acontecendo aparições da Virgem Maria em várias partes do mundo”, lembra o padre Antonio Lucio, autor do recém-lançado Um Mês em Companhia de Nossa Senhora (Paulus), com trechos da Bíblia e dos Evangelhos para cada dia, além de várias meditações e orações dedicadas a ela. O sacerdote está entusiasmado com o frescor da fé atual pela mãe de Jesus. “Basta alguém participar de uma procissão ou novenário de Nossa Senhora e constatará a multidão de pessoas que, ainda hoje, contam com a sua intercessão materna em suas vidas”, diz ele. “Tem um adágio popular que afirma: ‘Peça à Mãe que o Filho atende’. E, assim, os nossos pedidos são feitos a ela, que os leva ao Filho, e este, que faz chegar ao coração de Deus”, conclui o sacerdote.
Aparição como um cristal
Algumas vezes, a aparição de Maria é antecedida e anunciada por anjos. É assim que a jovem pastora Lúcia descreve a aparição de um ser angélico nos arredores de Fátima, em Portugal, em 1917. Lúcia estava com 10 anos e na companhia dos primos Francisco, 9, e Jacinta, 7. “Começamos a ver, a distância, acima das árvores que se espalhavam a leste, uma luz mais branca do que a neve na forma de um jovem muito transparente e brilhante, como um cristal exposto ao sol. Quando ele se aproximou, pudemos ver o seu rosto. Ficamos perplexos e absortos.” E Lúcia continua a contar como foi o estranho encontro. “Ele nos deixou numa atmosfera sobrenatural tão intensa que por um bom tempo não nos demos conta de nossa própria existência.” O anjo os ensinou a rezar e a seguir suas instruções, por quase oito meses. Só após esse período é que eles viram a figura que iria mudar para sempre suas vidas. Lúcia fala do que viram: “Uma senhora vestida de branco, brilhando mais forte do que o sol, soltando raios de luz clara e intensa, como uma taça de cristal cheia de água pura atravessada pelo sol”. A mesma transparência e fulgor é descrita em outros relatos. Assim escreveu o garoto Maxim Giraud, que a viu com 11 anos na pequena cidade de La Salette, na França. “Nada em suas roupas pertencia a esse mundo. Tudo era feito de luz, mas de uma luz diferente de todas as outras.” A imagem era translúcida, e ele podia ver através dela durante a aparição. Bernadette, a jovem que viu a Virgem Maria acima de uma gruta em Lourdes, na França, também descreve a estranha luminosidade emanada pela imagem de Maria. Assim a autora Bridge Curram se refere à visão de Bernadette no livro Milagres e Aparições de Nossa Senhora (Fundamento), baseada no depoimento da jovem, feito no século 19. “Na boca da pedra estava uma menina de vestido branco simples amarrado por uma faixa azul. Em cada pé descalço havia uma rosa amarela, e sua cabeça estava coberta com um véu. Os braços estavam estendidos, como para que abraçar Bernadette, e do pulso dela pendia um rosário. A jovem irradiava uma luz que ela descrevia como a mais brilhante que qualquer outra que já vira, mas que não feria seus olhos nem a desorientava.” A menina, um pouco mais jovem do que a própria Bernadette, com 15 anos na época, anunciou-se como a Imaculada Conceição. As mensagens de Maria, em Lourdes, continuaram por mais alguns meses e extraordinários milagres foram registrados desde então, a maior parte de cura de doenças por meio da água que brota da gruta (que hoje pode ser pedida pela internet). O vilarejo do sul da França onde se deu a aparição recebe mais de 6 milhões de visitantes por ano. Suas ruas são coalhadas de doentes, conduzidos por voluntários vindos de todas as partes do planeta. “Mas é andando pela região em direção ao Pic du Midi, a montanha mais alta do lugar, com 3 mil metros de altura, que se pode sentir a energia marial original do lugar: doce, amorosa e cristalina”, revela a professora aposentada mineira Alba Maria Souza.
Aparição como uma antiga princesa asteca
Maria pode se apresentar como uma menina ou uma mulher feita. Nem sempre seus traços são de uma mulher branca. A Virgem de Guadalupe, por exemplo, apareceu ao índio Juan Diego com a pele morena, rodeada de uma luz dourada e com um vestido vermelho e o manto verde-azulado. Assim Bridget Curran, baseada em relatos registrados na época, descreve a aparição da Virgem diante de Juan Diego, um dos primeiros índios do México a se converterem ao cristianismo: “Embora o sol não tivesse se erguido completamente, raios dourados emanavam do corpo da moça. Era como se uma forte luz brilhasse por detrás dela, e o clarão iluminava tudo ao seu redor. As rochas cinzentas, a grama ressecada e os cactos ganhavam vida em cores que pareciam quase translúcidas. A beleza e nobreza da menina o fizeram lembrar de uma antiga princesa asteca”. De pele mais escura também era, por exemplo, Nossa Senhora das Estrelas (Nossa Senhora de Pontmain), vista por filhos de agricultores numa pequena aldeia na Normandia (França), em 1872, numa imagem que pairava acima do celeiro. Seu manto era azul-escuro recoberto de estrelas, a coroa dourada, e ela se comunicava por meio de faixas escritas no céu que as crianças repetiam letra a letra – elas não sabiam o sentido final da mensagem, pois eram praticamente analfabetas.
Nesse universo intrigante de fé, cura e milagres, o mínimo que se pode dizer é que algo realmente deve ter acontecido durante esses encontros misteriosos. Bernadette Soubirous, por exemplo, a jovem francesa que viu a Virgem em Lourdes, tem o seu corpo em perfeito estado até hoje, 150 anos após sua morte. Ela pode ser vista em um caixão de vidro na igreja principal da cidade de Nevers, na França. A noviça Catherine Laboreux foi outra que manteve seu corpo intacto. Ela presenciou aparições de Nossa Senhora das Graças numa pequena capela em Paris, capital francesa, e seu corpo ainda pode ser visto, atualmente, na Igreja de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa. Não há explicação científica possível, até hoje, para esses fenômenos.
Em quadros e imagens milagrosas
Maria também ganha novos nomes com base nas imagens esculpidas e achadas em circunstâncias misteriosas em vários lugares do mundo. A de Aparecida, por exemplo, é a imagem de uma Nossa Senhora da Assunção, provavelmente de origem portuguesa, que veio dentro da rede jogada por três pescadores no rio Paraíba, em 1717. Primeiro veio o seu corpo de madeira, e depois, para espanto dos pescadores, numa segunda lançada de rede, sua cabeça. Estava escura, por estar mergulhada no lodo do leito do rio. Rapidamente começaram a ser atribuídos milagres à santa e, em 1741, foi construída uma igreja em sua homenagem. Muitos anos depois, foi erguida a Matriz Basílica, que funciona até hoje em Aparecida, interior de São Paulo.
Pela cidade, aliás, passam cerca de 11 milhões de pessoas todos os anos. No subsolo do santuário nacional atual, inaugurado em 1980, pode ser vista a impressionante sala de milagres atribuídos a Virgem com objetos que testemunham seu auxílio. Num canto, está o bilhete de um jovem cadete da Aeronáutica que agradece por ela “lhe ter dado asas”. Em outro, um policial conta como escapou de balas certeiras pela sua intervenção divina. Há também dezenas de bonecas e brinquedos que lembram o nascimento ou cura de crianças, muletas de paraplégicos, e milhares de fotos, que recobrem tetos e paredes em agradecimento por algum tipo de ajuda. Nas missas, a emoção não é diferente. A artista plástica e jornalista paulista Leticia Almeida, por exemplo, longe de igrejas e da religião há anos, não teve como não chorar durante a missa de domingo, ao meio-dia, no Santuário de Aparecida. “Depois do sermão, o padre nos convidou a recitar a Ave-Maria. Fechei os olhos e, com as mãos abertas em direção ao céu, rezei junto das milhares de pessoas que estavam ali ao meu lado. Não tive como não sentir a vibração daquele momento. Rezar e escutar o coro das pessoas reverberando na basílica é algo muito forte. Não senti paz, nem tranquilidade, mas uma força gigantesca. Era como se um feixe de luz ou um vento atravessasse meu tronco de alto a baixo a toda velocidade. Foi muito, muito forte. Chorei.”
Dezenas de outros testemunhos também dão o seu crédito no livro A Poderosa Nossa Senhora Desatadora de Nós (Verus), inspirada na imagem de um quadro barroco pintado por volta de 1700, em Augsbourg, na Alemanha. Em Campinas, São Paulo, a imagem da Nossa Senhora nos céus desatando nós em fitas brancas inspira milhares de devotos, como a médica Suzel Bourgerie e o aviador Denis Bourgerie que escreveram um livro exclusivamente sobre ela aqui no Brasil. Na obra, vários depoimentos explicam como os nós das vidas de muitas pessoas foram desatados pela senhora retratada no quadro. “Maria foi dada como um canal de misericórdia, para que, por meio dela, desçam continuamente as graças dos céus aos homens. Por isso não há nó que ela não possa desatar”, escreveram os autores.
Dois ícones famosos, o da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e o da de Czestochowa, a Nossa Senhora Negra da Polônia, também têm a fama de serem milagrosos. Diz a tradição que o ícone polonês foi pintado pelo evangelhista São Lucas em cima de uma mesa feita por Jesus, quando ele era apenas um aprendiz na carpintaria de seu pai adotivo, José. Conta a lenda que São Lucas, um médico, a pintou enquanto escutava Maria falar sobre seu filho. Diz-se ainda que, durante a Idade Média, o próprio ícone escolheu seu lugar para ficar: numa viagem em direção a outra cidade para ser melhor protegido, os cavalos que o conduziam, numa carruagem, se recusaram a seguir adiante. E assim o ícone passou a ser venerado onde os animais pararam, perto da aldeia medieval de Czestochowa, entre a Polônia e a
Croácia, às margens do rio Warta. A ela são atribuídas vitórias surpreendentes em batalhas e amparo seguro durante períodos de fome e guerras. Hoje, Jasna Gória, ou Monte-Luz, local onde fica o ícone, é um dos santuários mais visitados do mundo. Dezenas de outras imagens de Nossa Senhora tornaram-se célebres,em especial, aquelas que choram, como a Nossa Senhora de Akita, no Japão, uma denominação recente, cujas lágrimas brotavam da madeira onde foi esculpida. Essas imagens surpreendentes foram gravadas por uma rede nacional de televisão japonesa, em 1979. Também se atribui ao ícone de Nossa Senhora da Transilvânia, na Romênia, a capacidade de verter lágrimas, como aconteceu em 1632, quando a Virgem chorou por 21 dias.
Descoberta num monte de lixo
Uma das histórias mais interessantes e modernas sobre imagens milagrosas aconteceu na década de 1950 no Brasil, em São Paulo. Ela é narrada no livro Nossa Senhora de Todos os Nomes (Paulus), do frei Darlei Zanon. O relato mostra como a devoção a Virgem Maria pode nascer naturalmente por meio de uma imagem que lembre as qualidades da mãe de Jesus. Foi pensando nisso que a bondosa irmã Alice Marie Senise decidiu restaurar uma escultura de Nossa Senhora da Confiança em mármore, achada num monte de lixo perto de um cemitério. A estátua não tinha autor conhecido, mas era bonita. Cuidadosa, a irmã mandou pintá-la e acrescentar perto do coração de Maria as três virtudes teologais: a fé, em forma de cruz, a esperança, em forma de âncora, e o amor, em forma de coração, todos recortados em latão dourado. Nas décadas subsequentes, as alunas do Colégio Notre Dame, onde ela lecionava, aprenderam a ter essa Virgem Maria como modelo de fé. E eu, a jornalista que hoje assina este artigo, era uma delas. Não sei se a essa imagem de Nossa Senhora da Confiança foi atribuído algum milagre, creio que ainda não, mas soube que o Papa João Paulo II encantou-se por ela quando visitou o Brasil, e que uma réplica sua abençoa os seminaristas do Seminário Maior de Roma. Como me tornei budista, minha filha, ainda católica, pintou de novo a velha cópia em gesso que tinha em casa e hoje
Nossa Senhora da Confiança recebe todos os dias uma velinha. Sinceramente, por tudo que sei e li, acredito que essa energia celeste e pura da Mãe-Rainha abençoa, indistintamente, a todos da família.