A cena se passa na França no mês de setembro, alguns anos atrás. O trem que saiu de Paris chegou rápido a Macon e, na estação vazia, pego um táxi para Taizé (“têzê”), comunidade cristã ecumênica na região da Borgonha que ganha a vida sem aceitar donativos. O coração bate forte. Na chegada, a primeira impressão: entre pessoas de todos os continentes, uma sensação de que o bem já se espalha sobre a Terra. Segunda impressão: o ritmo de Taizé pode muito bem iluminar a vida da casa. Em um diário, registro cada insight. Dia 26/9. Na beleza acolhedora do santuário, percebi que a palavra Luz carrega um Z, de zelo. Os “irmãos” de Taizé zelam pelo espaço usando flores, livros sagrados abertos (palavras ditas ou escritas em um ambiente sempre o infuenciam), água benta (deixe imersa num copo com água a medalhinha de um santo ou uma cruz por 24 horas. Depois, abra as mãos sobre a água e faça uma oração. Borrife a água benta na casa após a faxina), gestos (o sinal da cruz tem o poder de harmonizar um espaço apósconfitos, pois a cruz fala do equilíbrio entre o Céu, a haste vertical, e a Terra, a horizontal), claridade discreta ou velas e, especialmente, ícones, que são pinturas do divino (pela beleza e profundidade, eles podem abrir o caminho para a paz). Anotei uma proposta: encontrar e expor em casa objetos-ícones que falem do que existe de mais sagrado na minha vida.
Continuei a observar o santuário. Os bancos ao longo das paredes protegem um vazio central, com tapetes, para os que querem ajoelhar ou se sentar. Não é essa uma boa forma de criar uma sala acolhedora, que aproxime as pessoas da casa? Outra coisa: na igreja, todos olham na mesma direção, o altar, o que unifca os sentimentos. Em casa, um quadro preparado ou escolhido pela família, com os melhores votos, faria com que todos “olhassem na mesma direção”? Dia 30/9. Entendi que a Luz tem, no centro, o U, de união, pois não é só de oração que vivem os “irmãos” de Taizé, mas também de “coração”, pois prestam auxílio pelo mundo. Encontrei o Irmão Roger Schütz (1915-2005), o fundador. Um senhor humilde e simpático demais.“Era essencial criar uma comunidade em que a bondade do coração e a simplicidade estivessem no centro de tudo”, diz ele, que criou Taizé em 1940 acolhendo pessoas que fugiam dos horrores da guerra. Nossa casa não é também uma sede onde as pessoas deveriam ser acolhidas como são? Dia 5/10. Diariamente, por três vezes, os sinos chamam para agradecer, rezar, cantar e tudo para na colina dessa aldeia em nome da Luz. O L de Luz, então, seria de liturgia (celebração sagrada, ritual)? Escrevo pensando na casa: ao longo do dia, celebrar com gestos de harmonia.
Antes de partir para o Brasil, voltei ao santuário. Parei diante de uma janela-vitral quando, de repente, um sol imenso me inundou. Um pouco atordoado, compreendi que a luz divina sempre se aproxima de nós. “É uma realidade tão simples que todos poderiam acolhê-la”, disse o Irmão Roger. Saio de lá feliz, palavra que, para mim, resume fé e luz.