A vida após a morte e suas distintas interpretações

Veja como cada religião - espiritismo, budismo, hinduísmo, judaísmo, candomblé, islamismo, catolicismo - compreende a vida após a morte

Por Raphaela de C. Mello
Atualizado em 20 dez 2016, 15h19 - Publicado em 5 jun 2012, 19h38
vida-morte

Se a vida depois da morte existe ou não ninguém poderá emitir atestado de garantia. Mas o que com certeza se conhece muito bem é o avassalador interesse do público pelo tema.

Em meio a tantas incertezas – de terremotos e tsunamis a doenças de cura desconhecida, mesmo com tanta oferta de tecnologia -, a continuidade da vida em planos superiores soa como o refrigério de que necessitamos para nos mantermos em pé. “Essa certeza é um consolo incrível. Apegados a ela, não precisamos depositar todas as esperanças apenas na vida física”, diz Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira.

Por outro lado, a imortalidade do espírito nos responsabiliza pelos sentimentos, pensamentos e ações praticados aqui, no plano terrestre. Carregaremos para a vida depois da morte os créditos e os débitos angariados no dia a dia. “Se acredito que a morte é passagem, transformação, eu vivo a vida de forma mais consciente e coerente”, afirma Geraldo. Assim, não corremos o risco de ser abatidos pela desmotivação, manifesta em questionamentos como estes: “Para que me esforçar para ser um ser humano melhor, se tudo vai acabar um dia?”, “Se existe um Deus justo, por que pessoas inocentes são alvo de tantas calamidades?”.

Confira então de que maneira cada religião compreende o que nos espera além desta vida!

Espiritismo

 

“De acordo com a doutrina espírita, o espírito – a essência do ser – continua vivo depois da morte, que só atinge o corpo. O que encontramos do outro lado reflete o que realizamos na Terra. É uma consequência justa, baseada no merecimento. Desencarnação é o processo de libertação do espírito. No entanto, este pode ficar apegado a dores, paixões, vícios, materialismo, preocupações. O desligamento do plano material consome dias, meses ou até anos. Há, inclusive, aqueles que não sabem que desencarnaram. Por isso, é importante termos em vida a compreensão de que haverá continuidade e de que não faremos a travessia sozinhos. O espírito é acompanhado por amigos espirituais e familiares. Pela sintonia que estabelece por meio de pensamentos e sentimentos, será atraído para comunidades de luz ou para o umbral, espécie de purgatório temporário, onde terá a chance de aprender e se elevar. Quando estiver preparado, o espírito retornará ao plano físico num novo corpo para quitar dívidas e adquirir créditos. Alguns chegam devendo e voltam ainda mais endividados por causa de orgulho, desequilíbrios e faltas graves. Reencarnamos quantas vezes forem necessárias. Seres de luz podem ascender ao mundo superior e não mais voltar à Terra.”

Continua após a publicidade

 

Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB)

Budismo

 

“Vida e morte são uma unidade, não se separam. Tudo, a cada instante, está nascendo e morrendo e logo não há nascimento a ser desejado nem morte a ser rejeitada. Dentro do quadro imenso do universo, os seres estão em movimento e cada um carrega uma personalidade perecível. O budismo nega o eu eterno. Os seres morrem e renascem abandonando a ideia do que foram. Buda dizia que o corpo morto é uma carroça quebrada e não se deve arrastar uma carroça quebrada, ou seja, devemos nos desapegar dessa forma. O budismo japonês não nega nem afirma categoricamente esse processo. A vertente tibetana aceita a volta do espírito em outras vidas. Para os discípulos dessa corrente, depois da morte do corpo físico a consciência cumpre 49 etapas em 49 dias, a fim de se reorganizar. Depois, há o renascimento em algum nível de realidade, seja humano, animal ou inanimado, determinado pelo carma vivido. Se fatos e circunstâncias influenciaram a vida da pessoa, depois da morte continuam a produzir efeitos e consequências na trajetória dela. Os budistas criam alegorias para entender o que acontece depois desse plano – cada um terá sua própria experiência. Portanto, cabe aqui uma única recomendação: faça o bem a todos os seres. Afinal, não há criaturas piores ou melhores. Todos somos interligados, cada espécie com sua função e necessidade no mundo.”

 

Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen Budista, em São Paulo.

Continua após a publicidade

Hinduísmo

 

“Na Índia, quando uma pessoa morre, seu corpo é levado pelos parentes para o Rio Ganges. Lá ocorre a cremação, num ritual repleto de detalhes. Para os indianos, a pessoa não é o corpo, mas a alma, que parte para outra dimensão. Por isso, cantam e festejam. Dependendo do mérito conquistado em vida, o espírito passará um período no loka – uma espécie de céu. Esgotadas as credenciais, tem de retornar à instância física. No trajeto, assimila o que necessita vivenciar na próxima estada – o espírito percorre as dimensões mentais e emocionais e vai conhecendo os desafios que terá de enfrentar na vida nova. Nasce, portanto, imbuído da missão que vem cumprir na encarnação atual, resgatando uma parcela dos erros cometidos no decorrer das vidas anteriores. E regressa para as famílias alinhadas a seu mérito (ou demérito) espiritual, mental e emocional. Almas evoluídas nascem na mais alta casta, a dos brâmanes, representada por sacerdotes e filósofos. O grupo logo abaixo cai na casta dos xátrias, composta de guerreiros e políticos. As almas menos nobres vão para a casta dos comerciantes, os vaishas, e, por último, para a casta dos trabalhadores, os shudras. Quando a alma atinge um patamar espiritual elevado e consegue finalmente se desapegar do mundo material, mental e emocional, passa a ter um entendimento perfeito das coisas, sem ilusões. Aí não precisa mais encarnar. A grande maioria dos indianos aceita essa sina plenamente. Entende que está onde está por mérito e, se ascender, passando por todas as instâncias no decorrer de sucessivas encarnações, haverá uma grande ordem social. Do contrário, imperará a desordem.”

 

Luís Malta Louceiro, filósofo e especialista em cultura indiana.

Judaísmo

 

“O judaísmo prega que todos os mortos serão ressuscitados na Era Messiânica (quando o Messias chegar à Terra). Mas a ideia da reencarnação também está presente nos livros judaicos, embora os rabinos falem muito pouco sobre ela. Para a cabala – conjunto de princípios espirituais anterior às grandes religiões monoteístas -, a alma é imortal. Antes de nascer, assinamos uma espécie de contrato por meio do qual nos comprometemos a enfrentar determinadas situações desafiadoras que podem trazer tristezas e dificuldades, provações que contribuem para nosso aperfeiçoamento. Quando morremos, revisamos o que fizemos ou não na Terra antes de estar aptos a retornar. Há três níveis de alma que vão pouco a pouco se alojando no corpo. O mais “baixo”, chamado nefesh, entra primeiro; o intermediário, ruach, aos 12 ou 13 anos; e o mais elevado, neshama, aos 20 anos. Quando a pessoa morre, a neshama leva uma semana para partir – por isso, nesse período, os espelhos da casa são cobertos. Assim, a alma, ainda confusa em relação a seu estado, não corre o risco de levar um choque ao visitar o local. O segundo nível demora até 30 dias para desabitar o corpo. E o mais baixo até um ano. Enquanto a alma ou partes dela estiverem ligadas ao corpo, não estará pronta para reencarnar, o que pode lhe causar sofrimento. A consciência da pessoa em vida determina seu entendimento na hora da morte. De toda forma, para proteger o ente querido e ajudar a alma a se elevar, demonstrando amor por quem partiu, os familiares entoam uma prece em sua memória, chamada kadish.”

Continua após a publicidade

 

Yonatan Shani, diretor do Kabbalah Centre do Brasil

Candomblé

 

“O candomblé compreende diversas vertentes. Respondo pelo candomblé contemporâneo, que agrega conceitos de filosofia, psicologia e tradições orientais. Sob tal perspectiva, se o indivíduo leva uma vida imbuída de verdade, o pós-morte será uma extensão de suas ações, portanto, uma passagem confortável, sem julgamentos. Tal passagem pode ser facilitada também pela influência dos orixás – entidades que representam o vento, o mar, a mata e assim por diante – e que lhe servem de guias espirituais. Acreditamos no processo evolutivo da reencarnação e na existência de reinos espirituais, para onde se encaminham os mortos, dedicados a cada tradição religiosa. Essas comunidades interagem, não há fronteiras entre elas. Depois da morte, o tempo é relativo e o espírito pode ser resgatado ou não – tudo dependerá de como usou o livre-arbítrio. Quem realiza esse resgate nas comunidades espirituais são os espíritos de luz, como os velhos, os caboclos, os índios, as pombagiras, que recebem quem chega e também transmitem ensinamentos com vistas à evolução. Depois de sucessivas reencarnações, o espírito pode optar por servir aos homens encarnados como um ser de luz e não mais retornar à Terra. Ainda assim segue trabalhando pelo próprio aprimoramento.”

 

Babalorixá Kabila Aruanda, de São Paulo.

Continua após a publicidade

Islamismo

 

“Os muçulmanos acreditam que todos nascem puros e inocentes, com uma beleza inata e a capacidade de progredir e adquirir conhecimento. No entanto, possuímos o livre-arbítrio. Ao mesmo tempo em que temos uma tendência natural para o bem, somos livres e capazes de crueldade e injustiça. Sendo assim, quem professa a fé islâmica será responsabilizado por todos os seus pensamentos e ações no Dia do Juízo, quando o mundo será enrolado como um pergaminho e todos serão julgados por Deus. Aqueles que apresentarem bons atos serão recompensados com o paraíso, os outros irão para o inferno – conceitos puramente metafóricos. A verdadeira natureza do céu e do inferno só é conhecida por Deus. A crença no Dia do Juízo significa que a morte não é o fim da vida, mas um portal para a vida eterna. Portanto, os muçulmanos percebem o tempo como sendo contínuo, desse mundo para o próximo; e o tempo passado aqui moldará a natureza do tempo eterno. Em suma, a salvação – neste mundo e na vida depois da morte – está em praticar boas obras e promover tudo o que seja nobre, justo e digno de louvor.”

 

Ziauddin Sardar, autor de Em que Acreditam os Muçulmanos (Civilização Brasileira)

Catolicismo

 

“O fundamento da fé na ressurreição se encontra no fato de Deus ter ressuscitado seu filho, Jesus. Morrer e ser ressuscitado significa chegar a uma ampliação plena da cognição, de tal maneira que, só na morte, a pessoa tenha a possibilidade de conhecer, com clareza total e absoluta, o significado e as consequências de sua vida vivida, no nível individual, socioestrutural, histórico e cósmico. Ela própria, junto com Deus e com base nos parâmetros dele, julga sua trajetória, percebendo, em que medida, correspondeu ou não às diretrizes divinas. Tal processo é conhecido por “juízo final”. Na morte, Deus oferece a cada pessoa uma última oportunidade de conversão, momento chamado de “purgatório”. No entanto, ela pode se negar a aceitar os critérios superiores por Ele estabelecido. Ao agir assim, criaria para si uma situação degradante, o “inferno”. Deus quer que todas as pessoas alcancem a plenitude, o “céu”, que significa a comunhão plena e íntima com Ele. Dessa forma, o ser humano fica para sempre amparado no amor divino, numa felicidade total, além de viver em comunhão com seus irmãos e irmãs.”

Continua após a publicidade

 

Renold Blank, doutor em teologia e filosofia e professor emérito da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo.

Publicidade