Enedina Marques, a primeira engenheira mulher e negra do Brasil

Apesar dos preconceitos de uma sociedade pós-abolição, Enedina se impunha e se fez uma profissional respeitada em um mercado dominado por homens brancos

Por Yara Guerra
Atualizado em 14 fev 2022, 16h51 - Publicado em 8 fev 2021, 06h00

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Você sabe quem foi Enedina Marques (1913-1981)? Se não sabe, está na hora de conhecê-la. Pertencente a duas minorias marginalizadas da população brasileira, ela foi a primeira mulher a se formar em engenharia no estado do Paraná e a primeira engenheira negra do Brasil. Filha de um casal de negros provenientes do êxodo rural após a abolição da escravatura, em 1888, a família chegou em Curitiba em busca de melhores condições de vida.

Durante sua infância, Enedina ajudava sua mãe nas tarefas domésticas na casa do militar e intelectual republicano Domingos Nascimento em troca de instrução educacional. Alfabetizada aos 12, ingressou no Instituto de Educação do Paraná em 1926, sempre trabalhando como doméstica e babá em casas da elite curitibana para custear seus estudos.

Seis anos depois, recebeu seu diploma de professora. Até 1935, Enedina lecionou em várias escolas públicas no interior do Estado, inclusive no grupo escolar São Matheus – atual colégio São Mateus.

Mas Enedina tinha um sonho maior: queria se tornar engenheira civil. Decidiu então retornar a Curitiba, apesar das muitas dificuldades, e se graduou no curso de Engenharia Civil na Universidade do Paraná – atual Universidade Federal do Paraná – aos 32 anos de idade.

Disciplinada e inteligente, enfrentou todos os obstáculos que uma sociedade no início do século XX apresentava (e ainda apresenta) a uma mulher negra e pobre. Nessa época, era destinado às mulheres, principalmente, o papel de dona de casa. Já no mercado de trabalho, as opções eram limitadas ao cargo de professora ou empregada de fábrica, sempre com salários menores do que os recebidos pelos homens no mesmo papel – soa familiar?

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Enedina (à esquerda) e as professoras do Grupo Barão de Antonina, em Rio Negro (PR), na década de 1930, quando lecionava. (Gazeta do Povo/Divulgação)

Única mulher de sua turma, Enedina viveu uma sociedade pós-abolição, que não instituiu políticas públicas e nem ofertou oportunidades educacionais e profissionais com expectativas de ascensão social à população negra, escravizada durante séculos. Diante desta realidade, enfrentou também preconceito pela sua cor, vivendo em uma região cuja população apresenta descendência europeia e é majoritariamente branca.

Mas isso não foi motivo para sua desistência: ela se tornou a primeira mulher a obter um curso superior no Paraná e a primeira negra a ser engenheira no Brasil. Em 1946, foi exonerada da Escola da Linha de Tiro e tornou-se auxiliar de engenharia na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas do Paraná. No ano seguinte foi deslocada para trabalhar no Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, após ser descoberta pelo então governador Moisés Lupion.

Como engenheira, participou de diversas obras importantes no Estado, como a Usina Capivari-Cachoeira (atual Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país) e a construção do Colégio Estadual do Paraná.

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Usina Capivari-Cachoeira. (Divulgação/Casa.com.br)

Durante a obra na Usina, ficou conhecida por usar macacão e portar arma na cintura, que usava atirando para o alto sempre que julgava necessário se fazer respeitada.

Depois de se estabelecer e estruturar sua carreira, Enedina se dedicou a conhecer o mundo e outras culturas, viajando entre os anos 1950 e 1960. Nesse mesmo período, em 1958, o major Domingos Nascimento faleceu, deixando-a como uma das beneficiárias no seu testamento.

Em vida, conquistou respeito liderando centenas de operários, técnicos e engenheiros. Pela comemoração aos 500 anos do Brasil, foi construído em Curitiba o Memorial à Mulher, que gravou e imortalizou 54 personalidades femininas – dentre elas, Enedina, a “pioneira da engenharia”.

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Em sua homenagem, foi fundado o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, empenhado em combater a invisibilidade racial que atinge negras e negros em diversos setores, como o ambiente escolar, o mercado de trabalho e as demais esferas sociais.

Enedina não se casou e não teve filhos. Foi encontrada morta aos 68 anos no Edifício Lido, onde morava no centro de Curitiba. Por não ter família imediata, seu corpo demorou a ser encontrado. Seu túmulo é um dos principais pontos da visita guiada pela pesquisadora Clarissa Grassi, no cemitério Municipal de Curitiba.

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Iphan. (Divulgação/Casa.com.br)

Já foram publicadas reportagens, escrito livros e feito trabalhos acadêmicos e documentários a seu respeito. Enedina recebeu, após sua morte, importantes homenagens que lembram seus feitos. Por exemplo, em 1988, uma importante rua no bairro Cajuru em Curitiba recebeu o seu nome: Rua Engenheira Enedina Alves Marques.

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Em 2006, foi fundado o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, em Maringá. A casa do major da polícia e delegado Domingos Nascimento, onde Enedina viveu com sua mãe durante sua infância, foi desmontada e transferida para o Juvevê e hoje abriga o Instituto Histórico, Iphan.

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