O Brasil tem a melhor casa de 2022 e, diferentemente do que alguns podem esperar, não se trata de uma mansão levantada em bairro nobre, mas de uma construção com 66 m² chamada de a Casa do Pomar no Cafezal. Segundo o Prêmio ArchDaily Building of the Year 2023, divulgado nesta quinta-feira (23), o melhor projeto arquitetônico residencial do ano está localizado no Aglomerado da Serra, na periferia de Belo Horizonte (MG).
Criado pelo Coletivo Levante, formado por arquitetos voluntários e focado na criação de projetos em regiões periféricas e favelas, o projeto foi o único de impacto social e venceu a concorrência de outros 1,6 mil imóveis de países como Vietnã, Índia, Alemanha e México.
Ao longo das últimas três semanas do concurso — promovido pelo site referência em arquitetura, o Arch Daily — a moradia recebeu 150 mil votos dos leitores, a quem é atribuída a premiação.
“Estou em prantos e não sei nem o que falar. Esse prêmio é para todas as periferias do mundo. Amanhã tem festa na favela”, celebra o arquiteto Kdu dos Anjos.
O projeto
Localizada numa rua do Serrão sem CEP, água encanada e energia legal, a Casa no Pomar do Cafezal foi construída como o resto do bairro, pelos próprios moradores, e sob a liderança dos arquitetos Fernando Maculan e Joana Magalhães, do Coletivo.
Também conhecida como Barraco do Kdu, o coletivo construiu a casa sobre tijolos de 8 furos expostos, com o uso de pisos e revestimentos, sem reboco e pintura, mantendo-a em conexão com seu entorno e valorizando as técnicas construtivas e materiais da comunidade.
Implantada em um terreno anguloso de 70m², ela é composta por dois blocos de 3x3m em dois níveis. Eles são ladeados por um “puxadinho”, com a escada e os acessos.
“[Trata-se de] um modelo construtivo que utiliza materiais próprios da periferia, com uma implantação adequada e atenção à iluminação e ventilação, resultando em um espaço com grande qualidade ambiental”, explica a ArchDaily.
Um ponto central e de destaque da construção é o uso dos tijolos vazados na horizontal – com a parte frisada exposta. Isso não é muito comum, porque o assentamento com o bloco em pé é mais rápido. Porém, a acomodação na horizontal oferece maior isolamento e conforto térmico, uma vez que as paredes ficam mais largas.
“Isso se traduz em um ambiente que vai demorar mais a aquecer quando há temperaturas elevadas e a preservar um pouco mais o clima interno quando está frio”, explica o arquiteto Fernando Maculan, que conduziu a obra com Joana Magalhães no Coletivo.
Ainda explorando as possibilidades do elemento modular, o tijolo aparece em alguns pontos da residência posicionado com os furos expostos, funcionando como cobogó.
Para as tubulações de água e ligações elétricas externas, foram usadas janelas de ferro para ter custo semelhante às outras casas da favela. Seu diferencial, no entanto, é o uso dos elementos e técnicas para a criação de um espaço que combina sustentabilidade e eficiência aos moradores.
A disposição das janelas e portas que, além de permitir a entrada de luz natural e dar mais luminosidade ao ambiente, geram ventilação cruzada que resfria o ambiente. Já as tubulações externas de água ajudam a evitar vazamentos.
A importância de projetos como Casa no Pomar do Cafezal
Segundo o Diretor Nacional de Cultura do Instituto de Arquitetos do Brasil, Luiz Sarmento, construções sociais como a Casa do Pomar exigem mais do arquiteto, cujo desafio de otimizar espaços pequenos e o uso do material através de orçamentos reduzidos — geralmente, em torno de R$ 68 mil — é uma atividade que demanda rigor técnico e específico.
“Nesse tipo de projeto, o projeto e a construção precisam resolver questões como colocar uma esquadria de baixo custo, sem abandonar a potencialidade estética. Assim como mesclar uma série de elementos da autoconstrução das favelas, como o terraço e as paredes de tijolo de bloco cerâmico sem revestimentos, junto aos elementos a uma arquitetura eficiente e de ponta”, disse Sarmento.
“Esta premiação foi uma junção feliz do cliente ter conseguido acessar um escritório de arquitetura que tem uma série de estratégias para buscar financiamento. Isso, respeitando o espaço da favela, pois a casa é muito diferente e qualificada das demais construções, mas não é um objeto alienígena e não cria um escândalo na paisagem”, afirmou.
“A estrutura do meu barraco fortalece a sustentação do beco inteiro. Popularmente moro na rua Sustenido, beco Jenipapo. Tenho muito que agradecer a muita gente”, encerra Kdu.