Lavanderias: o debate sobre o cômodo em apartamentos cada vez menores
Os imóveis pequenos forçaram novas soluções para a área de serviço, que precisou incorporada na cozinha ou banheiro ou transformar-se em espaço coletivo
A lavanderia hoje é um cômodo que perdeu espaço (literalmente), com os apartamentos cada vez menores. Máquina de lavar, tanque e local relativamente arejado para estender as roupas demanda uma área considerável, algo que muitas vezes não está disponível nos imóveis brasileiros, o que obriga a arquitetura e a decoração a encontrarem novas soluções para que os moradores possam lavar a roupa.
Nos empreendimentos mais novos, as lavanderias coletivas vêm aparecendo com mais frequência, ainda que a maior parte das pessoas prefira ter uma “área de serviços” própria. Entretanto, há mais por trás dessa discussão do que simplesmente resolver a falta de espaço. Confira:
Lavanderia e área de serviço: uma perspectiva histórica
Já parou para pensar em porque a “área de serviço” das casas, principalmente as mais antigas, fica do lado de fora? Ou porque, mesmo em apartamentos mais novos, ela fica nos fundos, depois da cozinha?
A professora de História da Arquitetura Brasileira da Universidade Federal do Paraná, Juliana Suzuki, explica que esse layout é um resquício da casa colonial, a Casa Grande do Engenho.
Segundo ela, na residência do senhor de engenho, os cômodos destinados ao trabalho ficavam distantes da área social e área íntima porque eram os locais usados pelos escravos e serviçais. Naquele período, a cozinha também era afastada, uma vez que ela também era um “ambiente de serviço”. Esses espaços não eram lugar de permanência dos moradores.
A importância cultural do lavar roupa no Brasil
Por outro lado, o ato de lavar roupa ganhou importância na cultura brasileira, enquanto atividade social. Como? Até o século XIX, não havia água nas casas, embora as cidades já estivessem crescendo. Nasce então a figura da lavadeira.
Essas mulheres, geralmente negras – ainda reflexo da cultura escravocrata – que lavavam roupa como profissão tornam-se figuras simbólicas. A imagem das lavadeiras juntas no rio, cantando e conversando enquanto ensaboam a roupa é tão marcante que inspirou personagens na literatura, em obras como o Cortiço, de Aluísio Azevedo, e canções como Ensaboa Mulata:
Embora vista como atividade social no passado, no século XX, com a chegada da água nas casas e a chegada da máquina de lavar (o primeiro modelo fabricado no Brasil é da marca Mueller e data de 1951), lavar roupa tornou-se uma atividade privada e doméstica, ainda que realizada na área de serviço, afastada da área social.
Esse cenário se manteve por mais de meio século, até que precisou ser revisto com a nova realidade de imóveis ultracompactos nas grandes cidades.
O debate da lavanderia coletiva
A solução mais óbvia para o dilema da falta de espaço dos apartamentos seria a lavanderia coletiva. Já comum no exterior, ela vem sendo adotada em empreendimentos imobiliários mais novos ou em moradias alternativas, como as por assinatura e plug and play, como Housi e Vila11.
Embora prática, sob um ponto de vista arquitetônico – basta uma instalação hidráulica para várias máquinas e não é preciso incluir esse espaço no projeto dos apartamentos – a alternativa não conquistou a todos. Há quem, mesmo em um prédio com lavanderia coletiva, faça questão de ter sua própria “área de serviço” privada.
Os motivos por trás disso vão dos mais triviais (como a praticidade de poder lavar roupa em qualquer dia e em qualquer hora) até os mais complexos, que demonstram aspectos comportamentais tipicamente brasileiros, no caso, a estranheza em relação àquilo que é compartilhado. Em países onde a cultura do compartilhamento está mais presente e desenvolvida, as lavanderias coletivas são bem mais frequentes.
Bom exemplo dessa resistência é a experiência do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, no Rio de Janeiro. Em 1947, quando Affonso Eduardo Reidy criou a edificação, ele imaginava uma nova lógica de moradia e de cidade. Ali, os ocupantes tinham, no próprio condomínio, uma estrutura completa de vida cotidiana, que incluía creche, posto de saúde, área de lazer e, dentre outras coisas, uma grande lavanderia coletiva, para poupar espaço nos apartamentos.
Os moradores, todavia, rejeitaram a lavanderia: alguns reclamando da falta de liberdade, já que obviamente havia regras de uso, enquanto outros diziam-se envergonhados de terem suas roupas expostas aos vizinhos. É curioso como a manutenção da imagem e o medo de possíveis “fofocas” levou ocupantes a colocarem máquinas de lavar nos locais mais inusitados e, por vezes inadequados, nos apartamentos, como a sala de estar, ou o espaço embaixo da escada.
Seja por qual razão for, o fato é que a lavanderia coletiva não “pegou” no Brasil. E não cabe a nós julgar. De fato, ter uma área de serviço própria têm suas incontáveis e inegáveis vantagens: da privacidade, até a facilidade de não ter que sair de casa carregando um monte de roupas sujas ou poder lavar a quantidade desejada de peças da forma que bem entender.
Vale ressaltar também que a maioria dos imóveis com lavanderias coletivas são estúdios compactos, ou seja, desenhados para um ou dois moradores. Uma família com crianças, sem sombra de dúvidas, irá preferir ter sua própria máquina de lavar.
O que nos traz a questão:
Como ter uma lavanderia funcional e adequada em um apartamento pequeno
Imagine um apartamento com menos de 30m², metragem comum em cidades grandes. Uma área de serviço tradicional com essas medidas é fora de cogitação, afinal, entre um quarto decente e um tanque, a maioria vai escolher lavar as roupas de baixo na pia do banheiro.
Nesses casos, a máquina de lavar, um eletrodoméstico grande (as medidas padrão são Largura: 60 cm. Profundidade: de 35 a 40 cm. Altura: de 85 a 90 cm) acaba indo parar em dois locais: na cozinha ou no banheiro, para evitar as áreas sociais.
Onde é melhor incluir a lavanderia, no banheiro ou na cozinha?
Segundo a arquiteta Carina Dal Fabbro, essa escolha “dependerá das preferências pessoais, das restrições físicas do espaço disponível e da conveniência em relação às atividades diárias”.
Lavanderia no banheiro: vantagens e desvantagens
Carina explica que a lavanderia no banheiro tira proveito da instalação hidráulica ali presente, além da disponibilidade de água. No entanto, ela comenta que há desvantagens relacionadas ao uso cotidiano.
“Há certa inconveniência, pois poderá haver momentos em que a lavanderia não estará disponível para o uso durante o banho ou outras atividades relacionadas ao banheiro”.
Já a arquiteta Julia Guadix, à frente do Studio Guadix, acredita que a lavanderia no banheiro é prática na medida em que ela “vai encurtar o caminho entre a roupa suja e a máquina de lavar”. Entretanto, o barulho da máquina pode atrapalhar os ambientes próximos, como um quarto ao lado.
Lavanderia na cozinha: vantagens e desvantagens
A vantagem da lavanderia na cozinha, de acordo com Carina, é que o cômodo traz a facilidade de acesso e circulação, por geralmente ser um espaço maior.
“As desvantagens na cozinha são: a instalação de uma máquina de lavar roupa na cozinha pode exigir modificações no encanamento e no sistema de esgoto, além de criar espaços para armazenamento de produtos e roupas sujas”, afirma a profissional.
Soluções de arquitetura para lavanderias pequenas
Tendo em vista as vantagens e desvantagens, bem como as limitações hidráulicas do imóvel, é perfeitamente possível criar um projeto que contemple a lavanderia de maneira funcional e bonita tanto na cozinha quanto no banheiro de um apartamento, por mais compacto que seja.
A marcenaria é a grande protagonista nesse processo. Armários podem camuflar o equipamento, deixando o ambiente mais limpo e organizado; portas de correr na cozinha podem criar uma pequena lavanderia nos fundos e bancadas podem ser prolongadas para contemplar a máquina de lavar.
“Uma solução é prolongar a bancada da cozinha e encaixar a máquina de lavar na marcenaria. Se tiver espaço, podemos colocar um tanque pequeno também. Caso haja a possibilidade de criar uma divisão de marcenaria para esconder a lavanderia, ela também é uma boa alternativa. Mas se o morador for fechar a lavanderia com marcenaria vale lembrar que a máquina não pode ficar confinada e o ambiente precisa de circulação de ar”, comenta Julia Guadix.
Para finalizar, por mais que as máquinas com secadora já entraram no mercado brasileiro, um local para secar as peças é desejável. Sobre como incluir um varal em apartamentos pequenos, Julia afirma que “é super possível encontrar o local para secar a roupa. Um exemplo é um cantinho lá de casa, onde já tem uma circulação boa de ar e coloquei um varal de sobe e desce. Ficou bem funcional e compacto o espaço que encontrei para secar as roupas”.
Ela completa colocando que os varais de teto, parede e varais mágicos também são boas opções para lavanderias compactas.