A cerca de uma hora de São Paulo, a Casa Japão é um refúgio para criar e reviver memórias. Localizado em condomínio fechado com grandes extensões de mata preservada, o projeto, assinado pela Cité Arquitetura, foi pensado para aproveitar a acentuada declividade do terreno, criando uma gradação de intimidade entre seus ambientes.
Vista da rua, a casa de 524 m² se debruça sobre a paisagem de forma discreta, permitindo que o olhar atravesse a construção, respeitando a baixa densidade da construção frente ao campo, dando protagonismo ao céu e ao Mar de Morros. Seu acesso sugere uma casa térrea e transparente e, à medida que se adentra nos ambientes, uma sucessão de diferentes relações de escala surpreende, revelando a residência gradualmente.
Projetada para um casal e dois filhos, o programa abrange um núcleo principal e expandido da família, assim como espaços de lazer próprios de um retiro. A residência é dividida em três pavimentos, que distribuem os usos ao longo de cotas adaptadas à topografia em uma implantação em formato de L, pensada a partir do entorno: a fachada mais opaca se volta para a única lateral com vizinhos, retirando a necessidade de muros, em contraponto à transparência em constante relação com o horizonte sinuoso das fachadas internas.
O contraste entre cheios e vazios, a partir do uso dos diferentes pés-direitos e fenestrações de luz, percorre todo o projeto, acentuando a vista para os morros e para a vegetação circundante, garantindo um ar acolhedor para toda a casa. Essa relação sensível com a entrada do sol, a projeção da sombra e o limiar entre dentro e fora são fruto de um desejo dos moradores de incorporar sensações e ambiências vividas no Japão, país em que residiram por muitos anos antes de voltarem ao Brasil.
Muito aplicável à arquitetura, há na cultura japonesa o conceito de Ma, que pode ser interpretado como “entre”, um intervalo vazio onde se cria a vida. Escrito em kanji por meio da combinação dos símbolos para porta (門) e sol (日), o Ma (間) é o espaço em que o vazio da arquitetura deve ser pensado a partir das qualidades naturais que o abraçam, inspirando a busca por uma casa que existe, primeiro, a partir das sensações despertadas por seus ambientes, sem artifícios de superfície.
Com os espaços íntimos, como quartos e escritório, correndo na lateral do lote, o volume menos privativo foi desenhado paralelo à rua. Partindo da escala do pedestre na entrada da residência, a sala é o ápice da aplicação da ideia de “espaço entre”, com um pé-direito duplo de 6 m que provoca surpresa a quem da rua acredita ver a completude da construção. Com um atravessamento espacial e visual entre o exterior e interior, o ambiente age como varanda e sala simultaneamente.
Esse cuidado espacial se repete em outros momentos, sempre mantendo a ventilação cruzada e a iluminação natural em toda a residência. Na circulação, rasgos para entrada de luz na forma de seteiras revelam discretamente a paisagem, aumentando, por contraste, o impacto das grandes aberturas de varandas e janelas nos quartos e garantindo a passagem constante do ar.
Na cozinha, contígua à sala, o teto mais baixo traz a monumentalidade do pé-direito duplo para a escala do corpo e aninha o ambiente ao trabalhar junto a outros elementos como a laje em balanço do deque e a jardineira suspensa da fachada frontal.
Nos revestimentos, mantém-se a valorização do jogo de luzes e da paisagem, com o uso de cores neutras e elementos filtrantes, como os brises fixos e ripados, que se relacionam tanto com a arquitetura japonesa, de portas shoji translúcidas, quanto com a brasileira, de cobogós e brises-soleil. Fortalecendo a referência espacial nipônica, esses mesmos elementos de fachada aparecem usando madeira carbonizada tratada com a técnica Shou Sugi Ban. Existente em construções milenares, a técnica de queima superficial da madeira prolonga a vida útil do material.
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