O Estudio Guto Requena volta após oito anos ao mercado residencial com um projeto que materializa boa parte das suas pesquisas nos últimos 15 anos: o Apartamento Varanda. Guto Requena publicou em 2019 o livro “Habitar híbrido: subjetividades e arquitetura do lar na era digital”, que busca respostas às suas inquietações sobre o papel da arquitetura na era digital, especialmente quanto ao desenho de interiores domésticos.
Qual o impacto da tecnologia na sociedade e na concepção de lar? Como a arquitetura tem dialogado com a cultura digital? O que mudou na dinâmica de trabalho dos arquitetos e nas possibilidades de criação de ambientes residenciais?
O projeto lida com tais questões e ainda aponta para um futuro urgente onde a sustentabilidade e a biofilia têm papel central na arquitetura e no design.
O resultado foi um lar hiper conectado, que prioriza soluções sustentáveis e transforma um ícone da arquitetura moderna paulistana, datado de 1962 e desenhado por Botti e Rubin, num habitat flexível e reconfigurável.
O desejo dos moradores era viver num apartamento com varanda. Como esse edifício não tem essa possibilidade, mas possui uma fachada de vidro, piso-teto, eles decidiram transformar todo o apartamento numa varanda, ocupada por diferentes espécies de plantas, muitas delas nativas do Brasil. Uma verdadeira floresta urbana, com árvores frutíferas, horta produtiva, e espécies com flores.
O projeto rompe com a configuração tradicional do apartamento, que reproduzia a chamada tripartição burguesa, originada na França no século XVIII, e que setoriza as casas em áreas social, íntima e de serviços.
Com uma planta flexível, o projeto permite que se desloquem paredes ou peças de mobiliário, e compreende uma participação ativa do morador na sua constante reconfiguração.
No Apartamento Varanda, ao invés de se conceber um projeto a partir dos cômodos, como quarto, sala e cozinha, buscou-se desenhar uma casa a partir das suas atividades, como por exemplo, trabalhar, dormir, comer, receber amigos, cuidar das roupas ou relaxar. O resultado é uma arquitetura dinâmica e interativa, capaz de acolher diferentes práticas cotidianas.
Portas de correr de vidro acústico e grandes planos de cortinas automatizadas permitem criar momentos mais sociais ou mais privativos, integrando ou isolando espaços.
Arquitetura híbrida e sustentável
Concreto e virtual mesclam-se para construir uma espacialidade chamada híbrida, onde o concreto e o tijolo misturam-se a cabos de rede, microcontroladores e sensores. Uma das ferramentas que possibilitou a criação de espaços responsivos foi a automação.
No apartamento Varanda, o gerenciamento da casa pode ser controlado virtualmente através de dispositivos móveis ou no próprio local, através dos keypads inteligentes ou via comandos de voz, permitindo configurar diferentes cenários, do dia-a-dia a uma estação de trabalho, festa ou cinema. Acessos, iluminação, irrigação, áudio e vídeo, cortinas e mobiliários são automatizados.
Uma longa floreira suspensa atravessa todos ambientes integrados e desenha, junto com os vasos de chão e pendentes, um bioma particular. A presença de vegetação em escala nos ambientes é capaz de criar um microclima específico, diminuir as altas temperaturas e melhorar a qualidade do ar, premissas importantes em uma cidade como São Paulo.
A escolha de revestimentos e materiais priorizou produtos nacionais e com selos de certificação. O antigo piso de madeira de Ipê foi cuidadosamente retirado, tratado, e se tornou uma coleção de móveis desenhados pelo Estudio Guto Requena para o apartamento, como mesa e luminária do escritório, painéis, bancadas, etc. Toda iluminação é de LED e o sistema de automação possui controle de eficiência energética.
Design paramétrico
Faceando todos os ambientes da fachada frontal, um painel de madeira do tipo sucupira (espécie nativa brasileira) desenha uma transição entre as áreas mais coletivas das áreas mais íntimas.
Esse painel foi criado a partir de algoritmos, numa análise do desenho dos muxarabis da icônica fachada do edifício Albina, desenhados em 1956, e que servem originalmente para trazer sombra e diminuir a temperatura interna do apartamento. Ao escanear os desenhos originais fornecidos pelo escritório autor do projeto, Botti e Rubin, criou-se um código computacional que simula o caminho do sol nesta fachada. Assim, o padrão gráfico resultante, tem suas linhas mais finas ou mais espessas dependendo da distância desse eixo imaginário.
Esse painel de madeira, além de homenagear o próprio edifício, adiciona texturas aos ambientes e dialoga com diversas peças de mobiliário paramétrico, como o bufê Atração, o tapete Turing e a instalação de arte Heart Wall, todas criações assinadas pelo Estudio Guto Requena.
A instalação Heart Wall é o coração da casa. Uma obra de arte interativa que busca acrescentar uma camada sensível aos objetos que compõem o nosso lar, criando novas poéticas no design. Sua forma foi modelada para criar casulos que abrigam luzes. Em cada casulo, há um ponto de LED que pulsa no ritmo do batimento de uma pessoa. Basta colocar o dedo no sensor de batimento cardíaco embutido na peça para que se colete em tempo real o batimento de uma pessoa amada.
Materiais naturais e design brasileiro
Todos os mobiliários e peças de decoração foram especialmente selecionados e guardam histórias pessoais e coletivas, no que tange a história do design brasileiro.
Nomes de peso do design nacional como Sérgio Rodrigues, Jean Gillon, Irmãos Campana, Zanine Caldas e Lina Bo Bardi, dialogam com peças de jovens designers brasileiros como Guilherme Wentz, Ronald Sasson, Daniel Jorge, Lucas Neves, Carol Gay, Jacqueline Terpins, Ovo Design, PAX Arq e Alva Design. A essas peças misturam-se outros nomes icônicos do design internacional como Maarten Baas, Antonio Citterio, Yrjo Kukkapuro, Le Corbusier, Jasper Morrison e Frank Gehry. Além disso, o próprio Estudio Guto Requena apresenta neste projeto uma série de protótipos.
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